2 de nov. de 2013

Exatidão (Autor Italo Calvino)

A exatidão é como a precisão de uma balança.

Para os antigos Egípcios a precisão da balança era simbolizada pela deusa Maat, a qual utilizava uma pluma que servia de peso em um dos pratos da balança.

A Exatidão também pode ser definida por três pontos importantes:

 1 - A boa definição de um projeto de obra; (o cálculo de um projeto de arquitetura ou matemática que reduzam estes acontecimentos a esquemas abstratos).

2 - A formação de idéias visuais nítidas (Trazer a lembrança imagens visuais nítidas recordáveis).

3 - Uma linguagem precisa, capaz de traduzir detalhes do imaginário (Uma linguagem precisa capaz de trazer um conjunto de palavras que possam traduzir a diferença entre o pensar e o imaginar, ou seja, o esforço da mesma para dar conta, com a maior precisão possível do aspecto sensível das coisas).

Ítalo prefere escrever a falar, pois escrevendo ele chega no mínimo da imperfeição. Pois a linguagem casual, descuidada e aproximativa traz-lhe repúdio, pois se compara a uma epidemia de peste corroendo todos os campos da linguagem.

As possibilidades de salvação para esta epidemia estão na literatura que é a Terra Prometida da Linguagem, a qual só ela pode produzir anticorpos que impeçam o prolongamento deste flagelo lingüístico.

As imagens também foram contaminadas por esta epidemia; onde promove uma chuva ininterrupta de imagens sem forma nem significados as quais se multiplicam a cada dia, muitas se dissolvem como nos sonhos, mas aquelas que não se dissolvem causam estranheza e mal-estar.

Estes vírus ou epidemia que vêm se alastrando pela história e vida do povo, tornando a história das nações, confusas, casual, sem forma definida, sem princípio nem fim.

Pela visão de Giacomo Leopardi, o “vago” traz a idéia de indefinido e incerto; como nas palavras "noite, noturno", em que as descrições da noite são poéticas, pois à noite as sombras se confundem, permitindo ao espírito perceber uma imagem vaga, indistinta, incompleta. Assim para se apreciar a beleza do vago e do indeterminado precisa-se ater a definição meticulosa em que se aplica a cada imagem, na descrição minuciosa dos detalhes, na escolha dos objetos na iluminação e atmosfera. Ou seja, o vago flutuar das sensações.

As bases levantadas por Leopardi até aqui agregam valor ao que ele propõe defender; a literatura como uma arte de expressão, infinita e complexa, tal qual que dependendo da forma como descreve, consegue ser exata ao que deseja mostrar.

Folheando as notas de Zibaldone encontra-se de forma clara a ideia de indefinido que o autor desejava mostrar, nos seguintes trechos: “... a luz do sol ou da lua... o reflexo dessa luz, e os vários materiais que dela resultam; o penetrar dessa luz em lugares onde ela se torne incerta e impedida...”.

Dessa forma o indefinido toma uma forma definida a partir de outros elementos indefinidos, nos elucidando uma imagem complexa de ambientes, objetos, fenômenos. Logo o vago se torna preciso. Mas adiante as notas revelam vertentes importantes, como nos trechos: “Essa mesma luz é cheia de atrativo e sentimentalismo quando vista nas cidades, onde apresenta retalhada pelas sombras, onde a escuridão contrasta em muitos lugares com o claro, onde a luz em muitas partes se degrada. A esse prazer contribuem a variedade, incerteza, o não se ver tudo... observa que o prazer da variedade e da incerteza prevalece sobre o da aparente infinitude e o da imensa uniformidade...”.

Aqui é revelada uma visão poética por parte de Leopardi. O mesmo autor que antes parecia através de inúmeras descrições delimitar algo, agora se revela como um admirador e respeitador do desconhecido, do que não se pode mensurar. É nítido a uma sobreposição da liberdade da poesia sobre a exatidão da literatura sem que a última fosse menos importante.

Leopardi refletia sobre o indefinido e o infinito. Sua ideia era de que o homem tenha/ sinta atração pelo desconhecido, e também que através da imaginação é possível ter prazer apenas projetando o infinito, porém como o espírito humano não é capaz de concebê-lo, então é necessário contentar-se com o indefinido, e assim como no poema L’infinito, fazer com que a doçura sobreponha os sentimentos ruins.

Os problemas enfrentados por Leopardi vêm desde o inicio da filosofia, como a relação entre a ideia de infinito como espaço absoluto e tempo absoluto.

São vários os exemplos de escritores em que é possível confirmar que, além de existir a exatidão, ela está ligada ao indeterminado. No romance “Der Mann ohne Eigenschalten” de Robert Musie, os problemas matemáticos são usados para mostrar que as soluções são encontradas particularmente e que juntas se aproximam da solução final. Já Roland Barthes traz a ideia de que cada coisa tem a sua ciência.

Enquanto Lepardo afirma que as sensações indefinidas causam prazer, Paul Valéry as trata com a máxima exatidão possível e utilizando a geometria como em “Monsieur Teste”: “Voyes vous ces figures vives? Cette géométrie de ma souffrance? Il y a de ces éclairs qui ressemblent tout à fait à dês idées”. (“Estão vendo essas figuras vivas? Essa geometria do meu sofrimento? Há relâmpagos que parecem de fato ideias”.).

Além da geometria Paul Valéry através da poesia elaborada com articulação definiu a exatidão. Onde visualiza diferentes áreas do conhecimento com profunda analise, utilizando os recursos na arte, que Ítalo possui com estima.

Valéry faz uma impugnação de conceitos míticos sobre a origem do universo. Em contraponto Leopardi faz inferências do infinito e do cosmo para discorrer acerca, que aquilo que não se pode alcançar se emprega não em um espaço sem matéria, mas na existência universal.

Ítalo percebe que as diretrizes que tomou não deixaram subentendido o que propunha discursar. Pois embora tenha escrito de maneira a tentar definir com precisão suas ideias, percebe que escrever sobre situações que ainda não conseguiu determinar é algo que transtorna o seu ser, proporcionando vertigem diante da questão do infinito.

Realiza citações de vários autores e filósofos onde a questão do infinito é sempre abordada de maneiras divergentes, porem há uma consistência de cada informação onde aos poucos as ideias se diluem no infinitesimal.

A ligadura na produção literária e o conceito de cosmologia trilham um conjunto de razões na ciência contemporâneo. O universo observado pelas partes que compõe o todo proporciona uma perspectiva, tal perspectiva desenvolve forma e vida na obra literária. Diante das causas independentes entre si, sobressai a poesia.

Nas artes figurativas dos primeiros decênios do século, até mesmo antes de atingir a literatura entram os processos da lógica-geometria-metafísico, onde Ítalo cita que o cristal serve como uma figura simbólica por vários escritores e poetas de todo o mundo e que o cristal, que é um mineral sólido anisotrópico, limitado naturalmente por faces planas, refratando a luz perfeitamente.

Ele faz uma comparação contraposta entre o cristal, que regulariza estruturas e que sempre teve em mente como de forma simbólica perfeita, a chama, sendo que ambos representam movimento mesmo sendo ideias contrapostas extraído da citação de Massimo com a literatura do século.

Assim como o cristal e a chama, Ítalo faz uma análise disso sobre sua obra de 1972, Le città invisibili, dizendo que é uma cidade única, havendo então, a Exatidão. Ali ele também concentra ideias numa só ou se aproxima o suficiente para tal, com ligações de textos, interpretações, conclusões e análises podendo ser diversificadas.

Referindo-se desta mesma obra, o autor explica que, mesmo na exatidão pode haver um conceito com dupla interpretação.

Em relação ao intelecto, reduzimos nosso conhecimento quando pensamos em um tabuleiro de xadrez, onde há peças de estrema importância e outras nem tanto, porém todas as peças estão repousadas num mesmo lugar, numa caixa/tabuleiro de madeira.

Exatidão a ciência dos detalhes, tende a proporcionar as ideias claramente, para saber ao certo do que está sendo abordado, estabelecendo uma visão mais objetiva. Ela possui duas direções: (a) tentar ser o mais breve possível; (b) encontrar palavras que darão conta para tudo aquilo que se almeja expressar. A dificuldade encontra-se na maneira de passar para o papel ou até mesmo falar, tudo aquilo que a mente transmiti. Sendo assim a exatidão nesse sentido não se chega a uma absoluta exatidão, sempre falta algo para se expressar, a linguagem não consegue expressar tudo que se sente ou se imagina (pensa).

Ao explorar essa via, sentiu-se muito próximo da experiência dos poetas.

Pensou sobre tudo em Francis Ponge, que com seus pequenos poemas em prosa criou um gênero único na literatura contemporânea: exatamente o "caderno de exercícios" de um escolar que começa a exercitar-se dispondo suas palavras sobre a extensão dos aspectos do mundo e consegue exprimi-los após uma série de tentativas, rascunhos e aproximações que representam o melhor exemplo de um poeta que se bate com a linguagem para transformá-la na linguagem das coisas e retorna trazendo consigo toda carga humana que nelas havia investido.

Há quem ache que a palavra seja o meio de se atingir a substância última, única, absoluta; a palavra, mais do que representar essa substância, chega mesmo a identificar-se com ela: há a palavra que só conhece a si mesma, e nenhum outro conhecimento do mundo é possível. Há, no entanto, pessoas para quem o uso da palavra é uma incessante perseguição das coisas, uma aproximação, não de sua substância, mas de sua infinita variedade, um roçar de sua superfície multiforme e inexaurível.

 Por isso o justo emprego da linguagem é, para ele, aquele que permite o aproximar-se das (presentes ou ausentes) com discrição, atenção e cautela, respeitando o que as coisas (presentes ou ausentes) comunicam sem o recurso das palavras.

Outro autor que nos mostra um grande exemplo de homem sem letras, a qual ninguém possuía sabedoria igual no mundo senão ele é Leonardo da Vinci. Em seus códices havia uma batalha com a língua, uma língua híspida e nodosa, a procura da expressão mais rica, mais sutil e precisa.

Apesar de toda esta sabedoria ele era ignorante no latim e na gramática, o que impedia de se relacionar com os doutores daquela época.

Identificava-se melhor com a pintura do que com o jogo das palavras. Porém com o incidir do tempo começou a escrever com frequência, entretanto sem apartar-se dos desenhos.

No fólio 265 do código Atlântico, Leonardo alista evidências para ratificar a tese do desenvolvimento da terra, através da arqueologia. Todavia encontra certa dificuldade em reproduzir a imagem do fóssil encontrado, quando tenta redigir uma frase por três vezes na expectativa de encontrar o verbo adequado para melhor retratar o animal.


Ítalo termina sua conferência de forma a deixar seus leitores velejarem pelo mistério do imaginário.


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