Segundo Ítalo Calvino, a definição de imaginação é encontrada em um trecho de
A Divina Comédia, de Dante Alighieri:
Ó imaginativa que por vezes
tão longe nos arrasta, e nem ouvimos
as mil trombetas que ao redor ressoam;
que te move, se o senso não te excita?
Move-te a luz que lá no céu se forma
Por si ou esse poder que a nós te envia.
O autor utiliza as ideias de Dante e São Tomás de Aquino sobre a imaginação
ser transmitida pela lógica existente no mundo imaginário ou até mesmo pela vontade
de Deus.
Existem dois processos distintos que dão origem à imaginação: a imagem
formada a partir da palavra, onde primeiro há o contato com a escrita e então se imagina
a cena descrita; e o segundo, onde a imagem formada na mente irá se transformar em
palavras, como por exemplo, faz um poeta.
O cinema exemplifica quando inicialmente a cena é imaginada pelo roteirista,
que a escreve, o diretor a lê e imagina, transformando-a em imagens, segundo a sua
compreensão; posteriormente este conjunto de imagens será visto pelo espectador que
irá interpretá-lo novamente. Ítalo afirma que a imaginação humana é como o cinema:
“Esse “cinema mental” funciona continuamente em nós – e sempre funcionou, mesmo
antes da invenção do cinema – e não cessa nunca de projetar imagens em nossa tela
interior.”.
Calvino menciona o santo Inácio de Loyola referindo-se à contemplação, pois
segundo o santo, a pessoa deve imaginar o lugar onde está, quem ou o que ela deseja
contemplar; também define a visibilidade metafórica, onde não se recria a cena ou o
objeto em si, mas o que ele representa. Como a exemplo do pecado, que não deve ser
revivido, mas imaginado como uma metáfora, neste caso uma prisão.
A Contra-Reforma e o catolicismo são mencionados para destacar que a partir
do que é descrito pela igreja, demarca-se limites onde a imaginação pode correr
livremente.
Calvino fala sobre a imaginação como comunicação com a alma do mundo, ou
seja, a imaginação como forma de se explorar o mundo, exprimindo a verdade que há
nele e captando o infinito do tempo e sociedade que nele vive. De modo que a
imaginação seja a forma de contanto com a alma do mundo, que só é capaz de ser vista
quando observado atentamente aquilo que queremos compreender de forma extensiva.
Entretanto é no momento que a imaginação visiva da alma do mundo atinge forma
escrita que o leitor passa a ter contato com aquilo que seus olhos não conseguiam
enxergar.
Apesar da escrita dos livros possuírem uma forma enriquecedora de
conhecimento, em determinados tempos de estudo deixava-se dúvida no raciocínio. A
imagem entra neste campo racional como forma esclarecedora de dúvidas, tornando-se
fácil a compreensão do assunto abordado. Pois nela obtemos a sensível compreensão
dos detalhes impostos na imagem.
Consequentemente, a imagem é um meio eficaz de aprendizagem, tornando - se
um valioso instrumento do saber, com ela podemos determinar o que não foi
compreendido pela escrita, mas nunca desvalorizando o material enriquecedor que a
escrita nos traz e sim fazendo uma complementação intelectual muito importante .
Citando Douglas Hofstadeter, Calvino refere-se à imaginação como algo vago
que surge na mente, sem poder definir de onde vem cada fragmento.
Admite-se que a imaginação pode coexistir com o conhecimento científico
chegando até mesmo a coadjuvá-lo, mas também como apenas conhecimento teosófico,
onde não há união com a ciência. Eis que surge a dúvida do autor, onde situar a sua
definição de imaginação?
Para responder à pergunta, Calvino utiliza sua experiência de escritor como
ponto de partida, reflete que sempre pensa em uma imagem e esta dará origem a outras
imagens, então ele as organiza de modo que dê sentido à sua história e ao iniciar a
“tradução em palavras” a escrita domina, tentando encaixar as imagens às definições
verbais; é quando elas se mesclam e a imagem seguirá a escrita.
A Cosmicomiche é utilizada como exemplo oposto ao da criação da maioria de
suas histórias, já que sua criação parte de um tema científico que dá margem para a
imaginação fluir.
Em um dado momento a imaginação acabará sendo guiada pela expressão verbal
ou raciocínio lógico, porém há situações nas quais somente a imaginação poderá trazer a
solução, segundo Calvino define: “A fantasia é uma espécie de máquina eletrônica que
leva em conta todas as combinações possíveis e escolhe as que obedecem a um fim, ou
que simplesmente são as mais interessantes, agradáveis ou divertidas.”
Gerações anteriores tinham seus repertórios de imagens reduzidos, às
experiências que viviam a geração atual a qual Ítalo se refere como a “civilização da
imagem”, recebe tamanha contribuição cultural, dos diferentes tipos de meio de
comunicação, que tem sua capacidade de distinção deteriorada, não conseguindo
distinguir quais imagens foram de situações vivenciadas e quais foram “coladas” em seu
subconsciente.
Ítalo ainda confirma que adicionou a Visibilidade à sua lista, para prevenir que a
imaginação, o poder de interpretação sem o uso das palavras seja severamente
comprometida, dando um alerta de valores a preservar.
Levanta-se uma questão para a civilização da imagem: “A literatura fantástica
será possível no ano 2000, submetido a uma crescente inflação de imagens pré-fabricadas?”. O autor nos dá duas respostas, reciclar as imagens que conhecemos ou
apaga-las e iniciar do zero.
Calvino cita Balzac e sua obra Le Chef-d'œuvre inconnu, para denotar sua teoria
de que a imagem pode ser reciclada e colocada em um contexto diferente, obtendo
assim, diferentes reações, como quando na primeira versão escrita por Balzac, o pintor
Frenhofer é admirado pelos seus amigos pelo quadro pintado, e anos depois, na edição
final, Balzac decide por definir Frenhofer como um pintor fracassado e solitário; o
mesmo quadro e a mesma obra, sofrendo a influência do tempo e dos diferentes
contextos da época. Calvino ilustra tal possibilidade que Balzac teve em suas mãos: “A
fantasia do artista é um mundo de potencialidades que nenhuma obra conseguirá
transformar em ato.”.
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