2 de nov. de 2013

Visibilidade (Autor Italo Calvino)


Segundo Ítalo Calvino, a definição de imaginação é encontrada em um trecho de
A Divina Comédia, de Dante Alighieri:
Ó imaginativa que por vezes
tão longe nos arrasta, e nem ouvimos
as mil trombetas que ao redor ressoam;
que te move, se o senso não te excita?
Move-te a luz que lá no céu se forma
Por si ou esse poder que a nós te envia.
O autor utiliza as ideias de  Dante e São Tomás de Aquino  sobre a imaginação
ser  transmitida pela lógica existente no mundo imaginário ou  até mesmo pela vontade
de Deus.
Existem dois processos distintos que dão origem à imaginação: a imagem
formada a partir da palavra, onde primeiro há o contato com a escrita e então se imagina
a cena descrita;  e  o segundo, onde  a imagem formada na mente  irá se transformar  em
palavras, como por exemplo, faz um poeta.
O cinema  exemplifica quando inicialmente  a cena é imaginada  pelo roteirista,
que  a escreve,  o diretor a lê e  imagina,  transformando-a  em imagens, segundo  a sua
compreensão;  posteriormente  este conjunto de imagens será visto pelo espectador  que
irá  interpretá-lo  novamente.  Ítalo afirma que a imaginação  humana  é como o cinema:
“Esse “cinema mental” funciona continuamente em nós  –  e sempre funcionou, mesmo
antes da invenção do cinema  –  e não cessa nunca de projetar imagens em nossa tela
interior.”.
Calvino menciona o santo Inácio de Loyola referindo-se  à contemplação, pois
segundo o santo,  a pessoa  deve imaginar o lugar onde está,  quem ou o  que ela deseja
contemplar;  também  define  a  visibilidade metafórica, onde não se recria a cena ou  o
objeto em si, mas o que ele  representa.  Como a  exemplo  do pecado, que não deve ser
revivido, mas imaginado como uma metáfora, neste caso uma prisão.
A Contra-Reforma  e o catolicismo são mencionados para destacar que a partir
do que é descrito pela igreja, demarca-se  limites onde a imaginação  pode  correr
livremente.
Calvino fala sobre a imaginação como comunicação com a alma do mundo, ou
seja,  a imaginação como forma de se explorar o mundo, exprimindo a verdade que há
nele e captando o infinito do tempo e sociedade que nele vive. De  modo que a
imaginação seja a forma de  contanto com a alma do mundo,  que só é  capaz de ser vista
quando observado  atentamente aquilo que queremos compreender de forma extensiva.
Entretanto é no momento que a imaginação visiva da alma do mundo atinge forma
escrita que o leitor passa a ter contato com aquilo que seus olhos não conseguiam
enxergar.
Apesar da escrita dos livros possuírem  uma forma enriquecedora de
conhecimento, em determinados tempos  de estudo deixava-se dúvida no raciocínio. A
imagem entra neste campo racional  como forma esclarecedora de dúvidas, tornando-se
fácil a compreensão do assunto abordado. Pois nela obtemos a sensível compreensão
dos detalhes impostos na imagem.
Consequentemente, a imagem é um meio eficaz de  aprendizagem,  tornando  -  se
um valioso instrumento do  saber,  com  ela podemos  determinar  o que não foi
compreendido  pela  escrita,  mas nunca desvalorizando o material enriquecedor que a
escrita nos traz e sim fazendo uma complementação intelectual muito importante .
Citando Douglas Hofstadeter, Calvino refere-se à imaginação como algo vago
que surge na mente, sem poder definir de onde vem cada fragmento.
Admite-se  que a imaginação pode coexistir com o conhecimento científico
chegando até mesmo a coadjuvá-lo,  mas também  como apenas conhecimento teosófico,
onde não há união com a ciência. Eis que surge a dúvida do autor, onde situar a  sua
definição de imaginação?
Para responder  à  pergunta, Calvino utiliza sua experiência de escritor como
ponto de partida, reflete que sempre pensa em uma imagem  e esta  dará origem a outras
imagens, então ele as organiza de modo que dê sentido à  sua história e ao iniciar a
“tradução em palavras” a escrita  domina,  tentando encaixar as imagens às definições
verbais; é quando elas se mesclam e a imagem seguirá a escrita. 
A  Cosmicomiche  é utilizada como exemplo oposto ao da criação da maioria de
suas histórias, já que sua criação parte de um tema  científico  que dá margem para a
imaginação fluir.
Em um dado momento a imaginação acabará sendo guiada pela expressão verbal
ou raciocínio lógico, porém há situações nas quais somente a imaginação poderá trazer a
solução, segundo Calvino define:  “A fantasia é uma espécie de máquina eletrônica que
leva em conta todas as combinações possíveis e escolhe as que obedecem a um fim, ou
que simplesmente são as mais interessantes, agradáveis ou divertidas.”
Gerações anteriores tinham  seus repertórios  de imagens reduzidos,  às
experiências que  viviam  a geração atual a  qual Ítalo se refere como a “civilização da
imagem”, recebe tamanha contribuição cultural, dos diferentes tipos de meio de
comunicação, que tem sua capacidade de distinção deteriorada, não conseguindo
distinguir quais imagens foram de situações vivenciadas e quais foram “coladas” em seu
subconsciente.
Ítalo ainda confirma que adicionou a Visibilidade à sua lista, para prevenir que a
imaginação, o  poder de interpretação sem o uso das palavras seja  severamente
comprometida, dando um alerta de valores a preservar.
Levanta-se uma questão para a civilização da imagem:  “A literatura fantástica
será possível no ano 2000, submetido a uma crescente inflação  de imagens pré-fabricadas?”.  O autor nos dá duas respostas, reciclar as imagens que  conhecemos  ou
apaga-las e iniciar do zero.
Calvino cita Balzac e sua obra Le Chef-d'œuvre  inconnu, para  denotar  sua teoria
de que a imagem pode ser reciclada e colocada em um contexto diferente, obtendo
assim, diferentes reações, como quando na primeira versão escrita por Balzac, o pintor
Frenhofer é admirado pelos seus amigos pelo quadro pintado, e anos depois, na  edição
final, Balzac decide por definir Frenhofer como um pintor fracassado e  solitário;  o
mesmo quadro e a mesma obra, sofrendo a influência do tempo e dos diferentes
contextos da época. Calvino ilustra tal possibilidade que Balzac teve em suas mãos:  “A
fantasia do artista é um mundo de potencialidades que nenhuma obra conseguirá
transformar em ato.
”.

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